Em 2013, as revelações do especialista em segurança da informação Edward Snowden a respeito do esquema de vigilância global das comunicações praticado pelos Estados Unidos gerou fortes repercussões, chegando ao ponto de o presidente Barack Obama fazer uma visita improvisada à chanceler Angela Merkel para explicar que não era verídico que o celular da líder da Alemanha estava sendo monitorado em tempo integral. A tensão advinda do evento chegou a gerar consequências como a expulsão de um agente de alto escalão da CIA do território alemão, mas as relações diplomáticas dos países foram tendendo à retomada de uma cordialidade pragmática.

A presidente brasileira Dilma Rousseff também foi alvo de ação similar, com agravantes adicionados como a espionagem da gigante brasileira Petrobras e dos recursos energéticos do território brasileiro como um todo. Enquanto a Petrobras se retirou rapidamente do assunto afirmando que investiria mais capital na proteção de seus dados e que nenhuma informação importante tinha sido comprometida, Rousseff reagiu cancelando uma visita oficial a Washington. Desde então a relação diplomática entre Brasil e EUA tem sido ainda mais complicada do que estava anteriormente. Depois de dois anos sem interações públicas entre os presidentes, uma visita em 2015 estranhamente não incluiu na pauta norte-americana um pedido de desculpas formal pela espionagem, apenas uma afirmação de que ela não mais ocorreria.

Inicialmente uma série de reações foram pensadas por parte do Brasil para liberar o país da dependência da passagem de seu tráfego de Internet pelos cabos e servidores estadunidenses, onde esse conteúdo estava sendo interceptado. Três anos mais tarde, podemos destacar dois projetos dentro dessa linha que aparentam ter fôlego: o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (ou SGDC) e o cabo transoceânico ligando o Brasil a Portugal, o EllaLink. Ambos projetos possuem funções que de alguma maneira atenuariam a necessidade de o tráfego brasileiro ser direcionado para o Norte do continente, medida que apesar de não ser eficiente em todas as situações, poderia gerar algumas mudanças na dinâmica de tráfego de dados na região.

O SGDC é um empreendimento advindo de uma joint venture estimulada pelo governo que atua sob o nome de Visiona Tecnologia Espacial, composta por Telebras e Embraer, e ainda contando com apoio de atores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Com lançamento definitivo previsto para 2017, a intenção principal do projeto seria a de prover acesso universal à Internet dentro do território brasileiro dentro do Plano Nacional de Banda Larga, mas uma questão certamente relevante é a de que esse “representa a oportunidade de o Brasil assegurar a soberania em suas comunicações estratégicas, tanto na área civil quanto militar”, conforme afirmado pelo presidente da Telebras, Caio Bonilha.

Ao mesmo tempo em que atende a uma demanda de superação de dificuldades encontradas na formação de uma estrutura de fibra ótica sólida que cubra toda a amplitude do país com Internet, o projeto se coloca como um mecanismo para que se tente não repetir a espionagem de outrora. Além de trazer atrelado a si uma afirmação concreta de intenção de manutenção da soberania brasileira e ser diretamente supervisionado pelo Ministério da Defesa, o SGDC também aparece como uma retomada das ambições brasileiras de ter um projeto espacial consolidado, objetivo que seguia tímido e desconexo no governo de Rousseff.

Mas a narrativa não necessariamente procede. O desenvolvimento do satélite está sendo realizado pela franco-italiana Thales Alenia Space, onde engenheiros brasileiros selecionados acompanham a elaboração do projeto por conta de uma cláusula de transferência de tecnologia. Espera-se que tais engenheiros possam servir como líderes em um eventual projeto verdadeiramente brasileiro. As peças utilizadas na construção não têm origem nacional em sua grande maioria, e a francesa Ariane Space fará o lançamento do satélite. Em outras palavras, a soberania do projeto é um tanto limitada, e no momento apenas troca a liderança norte-americana pela francesa, com previsões de que a Thales será corresponsável pela operação de centros tecnológicos e cursos no Brasil.

O cabo transoceânico Brasil-Portugal, de 5.900 quilômetros e custando 250 milhões de dólares, é bastante claro em sua intenção de criar uma ponte de dados direta entre Europa e a América do Sul. Isso é particularmente carregado de significado, pois antes das revelações de 2013, a intenção da Telebras era na verdade de criar métodos de conectar mais diretamente o Brasil aos Estados Unidos visando aumentar a velocidade de entrega de conteúdo de um país para o outro, um plano que foi claramente abandonado.

A conexão pretende partir de Fortaleza, no Ceará, e chegar a Lisboa em 2018, permitindo a transmissão de uma vasta quantidade de informações, além de prover acesso a Pontos de Troca de Tráfego (conectores aos quais provedores de Internet se ligam para otimizar seu funcionamento) nas cidades de Frankfurt, Amsterdã, Londres e Paris, que são alguns dos maiores do mundo uma vez excluídos os dos Estados Unidos. Nesse caso, o projeto também será de responsabilidade de uma joint venture composta pela Telebras e pela espanhola IslaLink Submarine Cables, contando ainda com uma segunda empresa brasileira não especificada.

De acordo com o Ministro brasileiro das Telecomunicações, André Figueiredo, as empresas líderes de mercado Google e Facebook já teriam demonstrado interesse em fazer uso do cabo em suas operações, algo essencial para que o financiamento do cabo seja feito com base na comercialização de seu tráfego. Seguiu afirmando que existe uma tendência de expansão das comunicações digitais entre Brasil e Europa, e que a ação poderia facilitar outras parcerias entre instituições do Brasil e União Européia.

Algumas questões a respeito do projeto do cabo não possuem respostas claras. Existe uma implicação de que a União Europeia está de alguma forma muito mais isenta do que os Estados Unidos na questão da espionagem global, algo que a revelação de que a Alemanha também tinha práticas de espionagem digital não ajuda a corroborar, apesar da questão ainda pedir mais estudos. Faltam indicadores de que a Europa tenha um ganho real a oferecer no aspecto da segurança, e o caráter de empreendedimento do projeto parece mais evidente do que o de proteção dos dados brasileiros.

Nesse sentido de melhora da infraestrutura e diversificação do tráfego, benefícios ainda maiores poderiam ser obtidos em um segundo momento caso o cabo fosse projetado para alcançar a Irlanda, conexão essa que serviria para melhorar a qualidade do acesso à rede no Brasil. Objetivamente, a expansão de iniciativas como a da Amazônia Conectada, que visa conectar o estado do Amazonas à rede por meio de cabos especificamente construídos e compatíveis com as realidades da floresta, poderiam ter precedência sobre o cabo transoceânico e criar uma melhor integração regional com países que fazem fronteira ao noroeste do Brasil, para eventualmente trazer todos para o empreendimento Fortaleza-Lisboa.

A questão principal é que a própria natureza da Internet, o modo como é estruturada e o modo como a usamos tornam mais complicada a solução do que simplesmente criar um novo cabo ou satélite, pois o lastro da rede nos Estados Unidos é muito forte, e dificilmente vai parar de ser. Faz sentido assumir tais projetos como vetores de expansão de infraestrutura e caminhos para a diversificação e democratização da tecnologia, mas também é essencial considerar que há uma boa quantidade de bravado de caráter diplomático envolvido no assunto. Solucionar o problema da espionagem digital talvez seja impossível, e será necessário muito mais planejamento para mitigá-lo.