Em abril de 2020, nos encontramos no princípio de uma pandemia global precipitada pela COVID-19, e muitas questões ainda não estão claras. Algo que emergiu como notável nesse primeiro momento foi o papel da Internet como mecanismo de informação, de entretenimento e como uma ferramenta que habilita profissionais de muitas áreas a trabalharem remotamente, reduzindo a circulação de pessoas nas ruas e limitando a propagação da doença.

As medidas de isolamento domiciliar sendo adotadas contemplam apenas uma parcela da população mundial, mas, caso a tendência de propagação do vírus continue a mesma, teremos um aumento cada vez maior na demanda por banda de Internet, conforme regiões precisem isolar seus cidadãos. Faz sentido pensar que irão ocorrer ciclos de estreitamento e de relaxamento dessas medidas, mas até ser testada e distribuída uma vacina segura de maneira ampla, a projeção é de cada vez mais necessidade de conectividade.

Conforme a frase “conseguem me ouvir?” se torna uma nova realidade para muitas pessoas que agora estão fazendo reuniões on-line, fica a pergunta de se o aumento de demanda gerado pela COVID-19 poderia ser uma ameaça à estabilidade da Internet. Em um primeiro momento, a rede se mostrou resiliente o suficiente para se manter estável, algo que faz sentido, uma vez que sua estrutura é pensada para ser escalável. No entanto, nunca havíamos encontrado um teste de estrutura tão expressivo quanto este.

Para entendermos se a estabilidade dessa estrutura está em risco, ou não, precisamos pensar que ela é composta por diversos elos que são operados de forma mais ou menos independente: desde a escala doméstica até imensos cabos submarinos que envolvem o mundo carregando nossos dados a velocidades impressionantes. Nos tempos atuais, a Internet se tornou um recurso fundamental em um grande número de regiões do mundo. Apesar disso, pouco se discute fora dos meios especializados sobre a alta complexidade da manutenção de sua operação.

O Provedor de Serviços de Internet (ISP) contratado pelo usuário final é, na verdade, a ponta de uma cadeia muito maior, que depende inclusive de grandes centros que operam o tráfego de regiões inteiras. Esse é o caso por exemplo do Network Access Point of the Americas, uma imensa instalação em Miami controlada pela estadunidense Equinix, que processa a maior parte do tráfego da América do Sul e Central. Outros centros como esse são encontrados em pontos estratégicos do mundo, como Frankfurt e Xangai, e geram efeitos que o usuário médio não imagina, como o fato de que muitas vezes um dado sendo enviado de uma cidade para uma região vizinha passa primeiro por um servidor do outro lado do mundo antes de retornar e ser entregue.

Ironicamente, apesar de toda essa movimentação de dados, é o ambiente doméstico que tem se mostrado um gargalo maior até o momento. Há uma competição de banda dentro das próprias casas, conforme diferentes membros da residência competem entre si por serviços de streaming e games diferentes, cada um com seu propósito. Uma franquia de banda que inicialmente servia aos propósitos de todos passa a ficar limitada dentro desse cenário.

Governos e empresas já começaram a se preparar para a possibilidade de problemas e estão tomando medidas preventivas para evitá-los. Uma série de serviços (Amazon Prime Video, Apple TV+, Netflix, YouTube) de streaming de vídeo entraram em acordo com a União Europeia para reduzir a qualidade padrão da imagem que entregam, de modo que o usuário que quer uma opção de maior qualidade precisará mudar essa configuração manualmente. Pouco depois, o Youtube optou por estender a medida para todo o mundo, e outros serviços devem seguir medidas similares em breve.

Essas ações estão sendo articuladas na sequência de um aumento significativo no tráfego total da rede, com um crescente aumento na demanda por redes sociais, teleconferência, filmes, games e também conteúdo para público adulto. Como exemplo, o popular website de conteúdo pornográfico Pornhub reportou, por meio de sua divisão de análise de dados, que recebeu um aumento de tráfego de 12% globalmente em menos de um mês, com a ampliação em alguns países passando de 20%.

A Facebook está sendo afetada de diversas maneiras, conforme tenta conter problemas em diversas frentes. Campanhas de desinformação sobre a COVID-19, contendo argumentos sem fundo científico, circulam em grande volume em sua rede social. Muitos dos moderadores de conteúdo que se encarregam de tirá-las do ar ainda não possuem estruturas adequadas para a realização de seu trabalho de maneira totalmente remota, algo que é muito limitado por questões de manutenção da privacidade dos usuários que estão tendo suas postagens moderadas. Em paralelo, o acesso a serviços da empresa como WhatsApp e Facebook Messenger disparou, e seus engenheiros trabalham ativamente para manter o funcionamento do serviço ininterrupto.

De modo geral, a infraestrutura de Internet já existente é planejada com uma perspectiva de crescimento de cerca de 50% a cada 16 meses. Para alguns provedores, esse pulo teve de ser antecipado para que continuem se sentindo confortáveis com suas operações, já que observaram um crescimento de tráfego total de 25% em menos de um mês. A comunidade técnica especializada está observando esses dados com atenção para que a operação da Internet continue estável, mas não existem garantias quando pensamos no longo prazo.

Esse sistema pode funcionar bem em regiões nas quais já existe uma infraestrutura estável de Internet, mas dentro do próprio Brasil vemos diferenças no acesso e na qualidade do mesmo, com áreas dependentes de conexões muito limitadas. Para esses cidadãos, o problema pode ser certamente agravado, conforme se faça necessário que usem cada vez mais serviços on-line. A projeção de crescimento de empresas que prestam serviços a essas localidades certamente não contava com uma provisão para lidar com uma situação como a atual, o que pode levar a um acesso instável.

Uma questão importante de ser pensada de modo maior é que toda essa estrutura pode estar funcionando corretamente agora, mas existe uma degradação natural dos componentes físicos da rede, que precisam passar por troca e por manutenção constantes. Com diversos problemas afetando as cadeias produtivas de fábricas, é possível um cenário, no qual exista uma demanda por componentes maior do que o estoque existente, forçando novas conversas entre governos e empresas para estabelecer parâmetros que mantenham a rede em funcionamento.

Essa pode, portanto, não ser considerada uma preocupação imediata para o usuário médio de Internet. Para aqueles envolvidos em administração de processos, ou em qualquer tipo de formação de políticas, trata-se, porém, de um ponto importante a ser observado no decorrer dos próximos meses. A continuidade do serviço estável de Internet deve ser entendida como um ponto fundamental da contenção da crise, visando ao bem-estar geral e a um semblante de normalidade nas interações humanas.