A Organização das Nações Unidas dedica o dia 22 de março ao tema da água, então faz sentido aproveitarmos a data fazer algumas reflexões a respeito de nosso recurso natural mais importante. Trataremos aqui de um assunto pouco lembrado, que é a viabilidade do transporte fluvial no Rio Tietê dentro da cidade de São Paulo. Os moradores da cidade veem o rio mais como uma fonte de problemas do que de soluções, mas será que está tão distante assim trazer uma realidade melhor para o Tietê?

O urbanista Marco Aurélio Dawy, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, estudou a questão de modo extenso, e concluiu que o projeto não só é viável, mas poderia trazer benefícios sensíveis para São Paulo. O transporte fluvial é o mais econômico entre todos os modais, é pouco poluente, e possui tanto manutenção mais barata quanto uma maior vida útil. Pensando nos problemas diversos com caminhões que a cidade e suas vizinhas passam todos os dias, essa alternativa parece interessante no sentido de diversificar o transporte na região.

No entanto, para pensar em qualquer projeto envolvendo o Tietê dentro da cidade de São Paulo, é necessário primeiro abordar o tema da sujeira e depredação do rio. Desde Itaquaquecetuba a água do Tietê já se encontra em estado ruim ou péssimo, e no total o rio acumula a poluição de 39 cidades da região. Apesar de alguns sinais de melhora derivados do tratamento de esgoto, as ocupações irregulares em seu entorno continuam a crescer, o que aumenta de modo consistente a poluição.

Esse problema se conecta com a falta de uma gestão integrada da água da região, pois boa parte da poluição se origina em cidades como Guarulhos, que possuem gestão independente da água e apresenta um baixo nível de tratamento da mesma. Sem um esforço coordenado para a redução das emissões de lixo, dejetos químicos e afins no rio, não seria possível planejar uma revitalização verdadeira.

No entanto, não é o caso de essa ser a primeira vez que esse tipo de restauração seria feita no mundo, com um caso em particular saltando aos olhos, que é o “Projeto dos Quatro Rios” da Coréia do Sul, no qual ao longo de diversos anos os principais rios do país foram despoluídos e transformados em referências de sustentabilidade e acesso a bens públicos. Também podemos citar o maior centro de convenções da Europa, o Excell London, situado às beiras do anteriormente abandonado rio Vitória; além de nosso muito próximo Puerto Madero, em Buenos Aires, que antes depredado, hoje é um dos locais mais cosmopolitas da cidade.

Temos que levar em conta que os rios Tietê e Pinheiros já são grandes eixos de deslocamento dentro da cidade de São Paulo, com as pistas Marginais abrigando tanto soluções de transporte rodoviário como ferroviário. A adição do transporte fluvial seria mais uma alternativa para realizar o deslocamento tanto metropolitano quanto intermetropolitano, gerando soluções tanto para o transporte de cidadãos quanto de carga.

Marco Aurélio Dawy propõe como modelo a criação do Complexo Hidroviário do Tietê, situado entre a Ponte das Bandeiras e a Avenida Cruzeiro do Sul. No projeto do urbanista, ocorreria uma revitalização da área, atualmente desgastada. Seria possível se aproveitar das potencialidades advindas de um Tietê limpo para, como observado no exemplo da Coréia do Sul, trazer uma referência de sustentabilidade para a cidade e gerar bem-estar.

Em seu projeto estão incorporadas, inclusive, uma série de paradas aquáticas, funcionando como pontos de ônibus que fazem uso de um sistema inteligente de adaptação da altura das plataformas para prover acesso constante dos passageiros independente da altura da água. Esse tipo de solução é interessante não somente do ponto de vista de desafogar o trânsito intenso, mas também gera interesse turístico e potencial de entretenimento.

Como observamos nesse breve artigo, não é o caso de ser impossível pensar em projetos como esse, pois eles já foram executados em outros lugares. O que falta é vontade política somada a uma maior consciência da população de que um rio poluído não é simplesmente uma causa perdida, mas sim algo que com esforço pode ser transformado em um bem para a população.